Direito de Família na Mídia
No Brasil, mais de 1 milhão de abortos ilegais por ano
05/02/2007 Fonte: O SulO Ministério da Saúde estima que 1 milhão de abortos ilegais sejam feitos anualmente no Brasil, apesar da proibição no Código Penal e da forte oposição da Igreja.
Em 2005, o SUS (Sistema Único de Saúde) registrou 241 mil internações para curetagens pós-aborto, ao custo de 35 milhões de reais.
As tentativas de aborto ilegal com agulhas de tricô, pregos ou remédios mataram pelo menos 160 mulheres em 2004, segundo a coordenadora da área técnica da Saúde da Mulher, Maria José de Oliveira Araújo. Conforme ela, o problema atinge majoritariamente gestantes pobres que não têm condições de pagar clínicas clandestinas. A ilegalidade penaliza as mulheres pobres, que acabam fazendo abortos em situações absolutamente inadequadas e com conseqüências desastrosas", explica Maria José. O ginecologista Thomaz Rafael Gollop, que representou a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) na comissão criada pelo governo federal para discutir a descriminalização do aborto, concorda: "Todo mundo sabe que as camadas A e B recorrem à interrupção de gestação em condições médicas mais favoráveis, ainda que ilegais. O aborto é feito de qualquer jeito, com lei ou sem. E ilusão achar que a lei impede a sua prática", opina Gollop.
PROJETO - Coordenada pela Secretaria Especial de Políticas Públicas para Mulheres, a comissão tripartite reuniu 18 representantes do governo, do Congresso Nacional e da sociedade. O trabalho resultou num projeto de lei para descriminalizar a prática do aborto. A proposta acabou engavetada, após causar rebuliço na Comissão de Seguridade Social e Família, onde foi discutida em 2005. Sob pressão da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e de outras entidades contrárias ao projeto, os deputados desistiram da votação de um substitutivo, ao qual foram anexadas outras 13 propostas favoráveis e contrárias. O Código Penal brasileiro, de 1940, permite a interrupção da gravidez em apenas duas situações: estupro ou risco de morte à gestante. Em 2005, o SUS registrou 1.772 internações ligadas a aborto.
De janeiro a outubro de 2006, foram mais 1.670 internações, com despesas de 244 mil reais. Um dos projetos apresentados à Câmara dos Deputados é de autoria de um ex-presidente da Casa, o ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), que pretende proibir a interrupção de gravidez mesmo nos casos atualmente permitidos.
ClANDESTINIDADE - O promotor de Justiça de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde do Distrito Federal Diaulas Ribeiro diz que a restrição praticamente não cria mais efeitos práticos do ponto de vista da punição das gestantes. De acordo com ele, o próprio Conselho Federal de Medicina orientou os médicos, em nome do sigilo da profissão, a não mais denunciarem as mulheres que interrompem a gravidez. O problema, diz o promotor, é que a proibição legal impede a assistência médica no SUS ou em clínicas particulares que não queiram infringir a lei, assim como agrava o trauma emocional das mulheres que praticam o aborto. "Embora não tenha efeito prático, a proibição tem conseqüências perversas na vida íntima das mulheres, jogando-as na clandestinidade. Quem tem dinheiro acaba pagando valores extorsivos. A outra opção é o aborto inseguro, que pode levar ao cemitério ou à infertilidade", afirma Ribeiro, que é doutor em Direito Penal.
DISPENSA - Em 2004, o Ministério da Saúde editou nota técnica dispensando os hospitais de exigir ocorrência policial das mulheres vítimas de estupro que desejam abortar. O ministério diz que a nota buscou esclarecer médicos e profissionais da área sobre o que preconiza o Código Penal. A nota técnica, no entanto, causou polêmica e levou críticos da medida a acusarem o governo de estar incentivando a prática do aborto. Dos cerca de 70 hospitais habilitados a realizar abortos legais, metade não exige mais a apresentação de ocorrência policial, afirma Maria José.
A curetagem é um procedimento adotado também em decorrência de interrupções espontâneas de gravidez ou outras enfermidades. Ou seja, o número de internações não corresponde necessariamente a tentativas do chamado aborto inseguro, isto é, ilegal. "Mesmo assim, dá uma idéia da dimensão do problema", diz a coordenadora. De janeiro a outubro de 2006, foram mais 182 mil internações, com gastos de 26 milhões de reais.